Ana Cañas passeia com sabedoria pela obra de Belchior em seu novo álbum, “Ana Cañas canta Belchior”, que já está disponível nas principais plataformas de streaming.
A cantora e compositora paulista achou sua própria linguagem para trazer de forma certeira 14 faixas que prezam pela sutileza e ao mesmo tempo por interpretações densas e profundas. Misturar Ana e Belchior, e seus planetas no signo de Escorpião, só podia resultar em algo intenso, para se jogar de alma e é difícil parar de escutar.
Ela já abre o disco com “Coração Selvagem”, deixando claro que força e feminilidade são elementos que sobressaem neste projeto. Outros grandes sucessos do cearense como “Sujeito de Sorte”, “Paralelas”, “Alucinação”, “Velha Roupa Colorida” e “Como Nossos Pais” também ganharam o jeito especial de Ana, que com este projeto mostra porque é uma das intérpretes mais interessantes da música brasileira.
Há também, releituras de músicas mais lado B de Belchior, como “Na Hora do Almoço”, “Medo de Avião” e “Galos, Noites e Quintais”. Os arranjos produzidos pela própria artista e por Fabá Jimenez são minimalistas e impactantes.
“Acho que o fato de ter poucos elementos acaba por ressaltar a voz, a interpretação. E esse foi o desafio. As músicas versam geralmente sobre paixão, catarse e reflexão social. Exige uma compreensão ampla das camadas do coletivo e suas intersecções. Apesar de muitas metáforas e poesia, também traz uma literatura direta e acessível. É um universo bastante complexo e há que se despir para mergulhar nele”, analisa Ana.
E o pulo de cabeça da artista no oceano de Belchior começou há dois anos. Uma live despretensiosa com esse repertório resultou em mais de meio milhão de plays no YouTube e os fãs imploraram para o registro das gravações em estúdio. O momento era complicado, a grana curta, mas o próprio público de Ana se uniu para financiar este disco.
Toda a história deste projeto é mesmo especial, assim como o resultado. “Sinto que uma voz feminina relendo um clássico da música popular brasileira é como um portal. Novos sentimentos e olhares. Cresci ouvindo Elis, Gal e Bethânia fazendo isso como ninguém e redirecionando músicas (escritas geralmente por homens) em versões definitivas. Porque mulheres têm um abismo singular, conhecem cerceamento e opressão de forma única e isso é traduzido no canto com uma força peculiar”, defende a intérprete.
E a visceralidade deste disco ganhou registro e se transformaram em 14 visualizers dirigidos por Ariela Bueno. “A ideia é trazer uma espécie de disco visual e aproximar o público do making of, para que as pessoas possam conhecer os meandros das gravações e bastidores do projeto. “O de “Como Nossos Pais”, por exemplo é o real take do disco, algo muito raro de conseguir e calhou de a diretora estar dentro na cabine de gravação quando fiz o take que escolhemos para o disco. Ele é bastante especial”, opina.
Apresentadora
O lançamento do álbum acontece quase que simultaneamente ao debut de Ana como apresentadora. Dia 25 estreia o programa “Sobrepostas” no Canal Brasil e na Globoplay com a cantora recebendo mulheres (cis e trans) e pessoas não-binárias para conversas francas sobre sexo, prazer e autoconhecimento. “A real é que os dois projetos têm tudo a ver. O universo belchiorano é bastante sexual (‘Quero gozar no seu céu / Pode ser no seu inferno’). A sexualidade feminina ainda é um tabu em 2021 e Belchior já falava sobre isso em diversas músicas, há 40 anos. Apresentar um programa sobre esse tema na televisão conversa com a sua obra, sem dúvida” afirma.
O programa foi criado e dirigido por Lívia Cheibub e Martina Sönksen. Em cada episódio, as convidadas são recebidas por Ana em uma casa onde papo é sempre afetivo e revelador – a ideia é criar um clima de acolhimento e intimidade. Um espaço seguro, de escuta e troca. A abordagem dos temas não se dá sob o olhar do estranho – como algo a ser desvendado por especialistas – mas tendo as mulheres como protagonistas de suas narrativas. A temporada de estreia se dedica às primeiras vezes: a primeira masturbação, primeiro squirt, o primeiro menàge, o primeiro vibrador… “Sobrepostas” é um convite para mulheres de todas as idades resgatarem suas próprias memórias da iniciação sexual, passando pelos momentos de excitação, frustração, autoconhecimento, desejo e fantasias, incentivando a conversa de forma natural e acolhedora.
Ao longo do programa, cenas ficcionais e eróticas ilustram um pouco das experiências compartilhadas pelas convidadas. Essas imagens são sensoriais, buscam a valorização dos corpos, cada um com sua subjetividade e experiência. Ao invés de promover sentimentos como vergonha e timidez, as cenas buscam incentivar a autovalorização e o prazer corporal.
foto Marcus Steinmeyer