Foi no rio Caí, localizado no município baiano de Prado, que a frota de Pedro Álvares Cabral desembarcou em 23 de abril de 1500, iniciando o processo de colonização no Brasil. Foi também em Prado, que a filósofa e artista multimídia Ana Dumas se isolou durante boa parte da pandemia da Covid-19, se distanciando da Capital, mas se aproximando do mundo através da internet e das plataformas digitais.
O encontro entre tecnologia, história e pandemia, foi o que despertou em Dumas a ideia para a construção da exposição virtual “Colôniavirus”, que a partir de 25 obras pensa a colonização do Brasil como um vírus que, assim como o corona, espalhou-se, deixando sequelas irreparáveis na sociedade.
A exposição, que tem acesso gratuito, ficará hospedada no site coloniavirus.com.br e será lançada no dia 29 de agosto, às 19h, através de uma live no instagram (@colonia_virus), com participação da filósofa e dos artistas Ramon Gonçalves e Laís Machado, que também fazem parte do processo.
“Nesse momento de imersão tecnológica comecei a pensar sobre esse vírus da informática, que invade, corrompe, destrói e como isso tinha a ver com o lugar em que eu estava, que também foi invadido e corrompido pela colonização. Comecei também a prestar atenção em como eu reproduzo muitas ideias coloniais, como cada um de nós somos replicantes desse vírus. E a partir daí muitas questões foram surgindo: Por que os portugueses foram embora, mas a mentalidade colonial continua? Quem alimenta isso? Como a gente pode agir para que isso seja interrompido?”, reflete Ana Dumas.
A relação com o virtual é incorporada também nos formatos das 25 obras, que abarcam 15 conceitos pensados por Dumas e mesclam o analógico com o digital. Na exposição é possível ver impressões em lambes, pinturas, formatos artesanais com interferências digitais, além de peças sonoras sob o formato de cards, gifs, fotografias, fragmentos de vídeos e colagens digitais.
“Esses 15 conceitos são possibilidades de resistência à colonização, são meus antivírus, nossos antivírus. Por isso, as obras possuem uma abordagem muito objetiva e visual, de forma que possam ser compartilhadas em todas as redes sociais. Elas foram feitas para viralizar. Esses antivírus já existem há muito tempo, através dos quilombos, das tribos indígenas, das ações de resistência que marcaram a história do Brasil, como a guerra de Canudos, por exemplo, mas a ideia é pegar os ideais em que baseiam essas resistências e jogar na rede, que é onde todo mundo, inevitavelmente, está agora”, explica.
Dumas cita a hierarquia de classes, o capitalismo, o racismo, o machismo, e sobretudo, o patriarcado, como algumas das ideias oriundas do colonialismo, o que reitera a necessidade de combater esse vírus e repensar as estruturas sociais tomando como base formas de viver ancestrais que foram dizimadas pela chegada dos povos europeus.
“Aqui no Prado eu vivo no que chamo de quilombolha. E é aqui que eu tento me reencontrar comigo mesma, com a minha cultura cabocla, totalmente oral, com a minha relação com a natureza, com as plantas e com o cultivo. Cresci numa família liderada e sustentada por mulheres, totalmente matriarcal, e retomar isso para minha vida e para a forma como eu enxergo o mundo, significa combater o patriarcado, ser um antivírus da colonização”, afirma Dumas.
Dentre as obras que destacam o aspecto matriarcal da anti colonização, está “Plantação de memórias”, que reúne histórias de mulheres do Prado, a partir dos elementos que compõem o quintal de cada uma delas, as plantas, os objetos e a organização do espaço. Já na obra “Preta Velha”, Ana Dumas repensa o significado dessa entidade, sempre associada à bondade, calmaria e paz. Na obra, a Preta Velha aparece como uma mulher atemporal, que também sente raiva e revolta, que precisa tanto do seu banho de folhas para limpar as energias negativas, quanto do wifi para se comunicar e expressar suas ideias para o mundo.
“Assim como o coronavírus, a colonização não foi um problema de um ou outro país, foi um problema para a humanidade, que exigiu diversas formas de reinvenção. Nessa exposição eu proponho isso, formas de nos reinventarmos, não necessariamente criando coisas novas, mas retomando formas viver que foram apagadas pela colonização”, finaliza a filósofa.
O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Pedro Calmon (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.