O texto foi idealizado pelo ator e protagonista Sulivã Bispo, com colaboração de Cesar Sobrinho. É uma produção que fala sobre infância, negritude, ancestralidade e intolerância religiosa, dando vida ao espetáculo Doú Alabá. A Senzala do Barro Preto tem sido terreiro para a criação, ensaio e encenação da peça que conta a história dois Erês da tradição Iorubá. Sulivã também é o autor de duas cantigas apresentadas durante a peça. As composições “Bejerê” e “Doú Alabá” são inéditas e foram escritas para o projeto, musicadas por Felipe Mimoso com a inclusão de mixagens eletrônicas, ritmo Ijexá e o som dos atabaques, tão representativos para as religiões de matriz africana.
O público vai conhecer a histórias dos personagens Edileusa e Claudionor, através do olhar ficcional dos erês, que vão falar da sua saudade do tempo de “vir em terra”, comer caruru e brincar no terreiro. A montagem inovadora, traz o estilo vídeo arte, e conta o cotidiano das novas vidas de quem abandona suas raízes ancestrais. Vamos conhecer a interpretação dessas divindades infantis, vividas por Natalyne Santos e Sulivã Bispo, sobre o que significa não respeitar a natureza e as tradições dos seus ancestrais.
Doú Alabá (os Erês) é um espetáculo que evidencia ainda conflitos das facilidades tecnológicas do mundo contemporâneo, onde muitas crianças negras se afastam de suas tradições afro-brasileiras, para imergir boa parte do tempo em culturas virtuais e midiáticas que em nada se assemelham com suas potências identitárias em diáspora, sobretudo desde 2020, quando as aulas também passaram a ser virtuais.
O espetáculo é dirigido por Ângelo Flávio Zuhale, ator, roteirista, dramaturgo e diretor. Ângelo já atuou em séries e filmes nacionais, dirigiu e interpretou o monólogo Experimentuns para um respiro, atualmente pode ser visto numa atuação disponível nas plataformas de streaming e traz toda a sua bagagem e experiência para a direção de Doú Alabá.
“Estamos criando algo inovador, um ângulo completamente novo no teatro, para ser exibido online e dar ao telespectador a oportunidade de sentir-se dentro do teatro através das câmeras. Todo o jogo de imagens, as luzes, aberturas, foco, e outros caminhos, foram pensados para ofertar emoção e lançar na tela algum fragmento da atmosfera que encontramos quando o público e platéia se encontram para ver uma peça”, conta o diretor com empolgação sobre sua obra.
A coreografia e direção de movimento é assinada pela coreógrafa, dançarina e professora baiana Nildinha Fonseca. Ela nos conta sobre o processo criativo ser enriquecedor e prazeroso, revisitando a criança interna de cada um, com honestidade, pureza e amor, sempre com responsabilidade e respeito para com as divindades de matriz africana. “Fui convidada por meu menino dourado, Sulivã Bispo! Participar dessa criação é muito significativo, sobretudo pela possibilidade de transmutar esse momento pandêmico que estamos vivendo, falando através da minha arte, a dança. É gostoso estar com elenco e equipe técnica toda numa mesma energia e vibração, associada aos Ibejis e aos Erês.”, afirma a coreógrafa cheia de contentamento e com sorriso na voz.
Entre os nomes que fazem parte dessa produção estão Cesar Sobrinho (texto), Felipe Mimoso (direção musical), Renato Carneiro (figurino), Pedro Caldas (cenografia), Agamenon de Abreu (maquiagem), Bruno Zambelli (direção de arte), Hugo Canuto (ilustrações) e a equipe da Saturnema Filmes, com Ariel Ferreira cuidando da captação de imagem e som. Além disso, a produção executiva ficou a cargo de Val Benvindo, diretora da Benvindo Produções, “É uma honra fazer parte desse projeto! Como mulher preta de axé, produzir um espetáculo que tem como objetivo preservar as nossas raízes, cultos, e reivindicar a liberdade de nossas crenças, é também deixar um legado para as próximas gerações.”, defende.
Criação e concepção
O ator, educador e humorista que já reviveu com brilhante atuação no teatro, Madame Satã, que dá vida à Mainha do famoso espetáculo Na rédea curta, recentemente levou sua personagem Koanza para ser comentarista do BBB, também é o corpo e mente criativa que interpreta Kaiala num solo de arrancar lágrimas, já estrelou produções nacionais como Férias em Família e Mainha no Multishow. Sulivã é um homem de candomblé, nascido e criado na religião ao lado de mulheres fortes e com muita devoção aos orixás. “Doú Abalá parte de um princípio potente, pois eu vejo a minha carreira com uma missão, enquanto artista negro eu devo contar as minhas histórias e falar do meu povo, da minha ancestralidade, da força africana em diáspora que me faz resistir e viver todos os dias de maneira significativa. Esse espetáculo fala das minhas memórias, dos erês, do terreiro e essa energia infantil que nos faz tão bem. Da ingenuidade e da importância de cultuar erê. Hoje em dia as crianças da periferia aprendem a demonizar o caruru.”, diz Sulivã. E completa: “Dou Alabá fala do nosso jeito de enxergar e ver o mundo, é um espetáculo para a família com signos muito fortes. Ele precisa existir, para além de comunicar, ele vai conscientizar. Ele é feito por um yawô de Oxum, que nos convida a olhar as nossas crianças com um olhar mais africano, mais diaspórico e menos intolerante. É para todo mundo, porque todo mundo precisa sentir a força e a energia da comunhão de um caruru, que tem uma oferenda em forma de comida para cada orixá e nos convida a refletir, nos unir e reconectar com África e nos conhecer ainda mais”.
Ele divide o palco com Natalyne, atriz baiana de 31 anos, nascida no recôncavo baiano em São Francisco do Conde, formada pela Escola de Teatro da UFBA. Atualmente ocupa a função de agente cultural e arte-educadora na Comunidade de São Bento das Lages. Criada em uma família que deu como berço o samba de roda de seu Francisco e as atividades artísticas e circenses de dona Maria, Natalyne criou desde cedo o gosto pela dramaturgia e pelo teatro, entrando em 2012 na universidade. “Sei que Doú Alabá é um presente das crianças para mim, pois aprendo e me sinto protegida por elas todos os dias! É intenso, divertido e terapêutico. São iniciativas como essa que nos fortalecem e reforçam nossa missão no mundo. Levando alegria, reflexão, tirando e saindo da zona de conforto, somos nós, contando as nossas histórias para o nosso povo.”, fala com firmeza a atriz.
Na Bahia, e em muitos lugares do Brasil, os Erês ou Ibejis foram sincretizados com os santos católicos Cosme e Damião, e para eles ainda são ofertados o tradicional caruru de sete meninos que ao longo de décadas se tornou uma importante herança do legado dos africanos no Brasil. E nesse espetáculo seu potencial lúdico, sob forma de canto e poesia é um grito de socorro para a manutenção das tradições populares. Nesse aspecto, é possível imaginar como as ruas – onde muitas vezes os festejos de Cosme e Damião existiam livres, se tornaram lugares quase inóspitos para as brincadeiras e para as crianças sobretudo por causa da violência de todos os tipos. Doú Alabá fará ecoar as vozes negras dos erês que cantarão o novo encontro e um belo amanhecer para nossa gente.
Doú Alabá foi contemplado no Prêmio das Artes Jorge Portugal, e tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.
O espetáculo será exibido no canal do Bloco Ilê Aiyê no Youtube, a partir do dia 05 de julho e fica disponível durante 7 dias na plataforma digital. Entre os dias 03 e 05 de julho serão realizadas lives no perfil do Instagram do ator Sulivã Bispo, sempre às 20h, com a participação de Rodrigo França, Babá Rodney William, e Iana Marucha cantora do Ilê, que teve sua formação musical na Banda Erê e fará uma live show.
Sobre o Ilê Aiyê
O bloco afro Ilê Aiyê, nascido no bairro do Curuzu, completa 47 anos de resistência em 2021. Criado no Ilê Axé Jitolu, terreiro criado por Mae Hilda Jitolu e hoje comandado por sua filha Doné Hildelice, foi durante 20 anos, a sede do bloco para diretoria, secretaria, salão de costura e recepção de associados. Algum tempo depois, o bloco desenvolveu uma ação social no bairro, que recebia crianças e adolescentes para aulas de percussão, canto, dança e também para oficinas profissionalizantes de diversas áreas, que ficou conhecida como Band’Erê. Além da Escola Mãe Hilda, escola formal que atendia crianças da comunidade e do entorno.
A escolha da sede do Ilê como cenário para a ambientação de Doú Alabá vem dessa relação e comprometimento com a infância, da preocupação em oferecer aos jovens a oportunidade de reconhecimento e identificação, não só nas Deusas do Ébano, eleitas na noite da Beleza Negra, mas também durante todo o ano, em ver os seus iguais, homens e mulheres negras como exemplo de cultura e profissionalismo inspiradores.
Equipe
Sulivã Bispo (ator);
Natalyne Santos (atriz);
Ângelo Flávio Zuhale (diretor);
Nildinha Fonseca (coreógrafa);
Cesar Sobrinho (texto) ;
Filipe Mimoso (direção musical);
Renato Carneiro (figurino);
Pedro Caldas (cenografia);
Agamenon de Abreu (maquiagem);
Bruno Zambelli (direção de arte);
Hugo Canuto (ilustrações);
Saturnema Filmes, com Ariel Ferreira (captação de imagem e som);
Benvindo Produções, Val Benvindo (produção executiva e artística).
Realização: Última Plataforma Digital
SERVIÇO
O quê? Espetáculo Doú Alabá
Aonde? Canal do Bloco Ilê Aiyê no Youtube
Quando? De 5 a 11 de julho
Lives de lançamento
Instagram Sulivã Bispo @sulivabispo
Dia 05/07, às 20h com Iana Marucha, cantora da Banda Ilê Aiyê
Dia 07/07, às 20h com Rodrigo França
Dia 09/07, às 20h com Babá Rodney William